Geral

Opção nuclear


Yasser Arafat foi assassinado com polônio?

Os envenenadores há muito fazem uso da tabela periódica de elementos para seu trabalho sujo – lembre do arsênio e mercúrio -, mas a tecnologia moderna oferece uma nova opção elementar: um veneno que desaparece.

No quadrante sudeste da tabela periódica se esconde o que eu gosto de chamar de corredor do envenenador. Chumbo, mercúrio, arsênio, cádmio – são os bandidos na química, a marca de muitos locais contaminados e a causa do recall de muitos brinquedos. E a maioria das pessoas nem ouviu falar do pior veneno ali: o tálio, um elemento tão letal que a CIA supostamente considerou assassinar Fidel Castro com um pouco de pó de tálio em suas meias. (Além de matar Castro, a CIA supostamente adorava o fato de que o elemento 81 faria sua barba cair e, assim, humilharia El Comandante.)

Ultimamente, a tecnologia moderna introduziu um novo membro no corredor do envenenador, o tóxico nuclear polônio. Em 2006, Alexander Litvinenko – um ex-espião russo que se tornara um crítico ferrenho do governo de Vladimir Putin – ficou gravemente doente depois de beber chá verde com polônio em um restaurante de sushi em Londres. Ninguém jamais foi assassinado com polônio antes: é raro na natureza e requer tecnologia avançada para manufaturar. Mas fotografias de Litvinenko em seu quarto de hospital, especialmente depois que o cabelo dele caíra, tornaram o elemento 84 mais notório em todo o mundo: tão notório que alguns toxicologistas o implicaram em outro suposto assassinato, o do político palestino Yasser Arafat.

Em outubro de 2004, durante uma longa prisão domiciliar, Arafat adoeceu uma noite depois de um jantar, vomitando e se contraindo. Ele morreu em um hospital francês um mês depois, supostamente de um derrame causado por coágulos sanguíneos generalizados. Por razões desconhecidas, o hospital ignorou a autópsia e circularam rumores de que Arafat – com 75 anos e com boa saúde até então – foi envenenado, seja por rivais políticos palestinos ou (a acusação mais comum) por autoridades israelenses.

Em 2012, a viúva de Arafat fez com que os toxicologistas testassem alguns de seus pertences, incluindo roupas íntimas, escovas de dentes, lenços para a cabeça e óculos. Eles não encontraram vestígios de venenos convencionais, mas encontraram evidências de polônio. A roupa íntima, por exemplo, mostrou níveis de polônio dezenas de vezes superiores aos níveis de fundo.

Por que usar polônio em um assassinato? É insípido e inodoro, ambos recursos úteis. E é tão raro que existem poucos testes para detectá-lo. Finalmente, e surpreendentemente, é seguro para transportar. Isso porque o polônio emite apenas partículas alfa, feixes de prótons e nêutrons que são tão volumosos que até a roupa pode pará-los. Assassinos podem, portanto, carregá-lo seguramente.

Por mais benignas que sejam do lado de fora do corpo, as partículas alfa causam danos massivos se ingeridas ou inaladas – degradando órgãos, desintegrando ossos, destruindo glóbulos brancos e embaralhando o DNA. (A longo prazo, o polônio também causa câncer, especialmente câncer de pulmão em fumantes, já que é encontrado no tabaco. O polônio se deteriora rapidamente, com uma meia-vida de 138 dias. Isso faz com que seja especialmente mortal, capaz de bombardear suas células com intensidade de uma blitzkrieg. No geral, os toxicologistas estimaram que o polônio é 250.000 vezes mais mortal que o cianeto.

Depois de encontrar evidências de polônio nas roupas de Arafat, as autoridades desenterraram seus restos mortais em 2013 e entregaram amostras de tecidos a três laboratórios. Equipes francesas e russas não encontraram evidências de polônio no corpo de Arafat. Mas uma equipe da suíça que usou placas de prata para extrair átomos de polônio do tecido encontrou evidências de envenenamento (manchas de polônio na prata). Você pode adivinhar qual resultado teve mais manchetes.

Os resultados suíços, no entanto, vêm com grandes ressalvas. A curta meia-vida do polônio significa que ele desaparece rapidamente. Já em 2004, 25 meias-vidas se passaram, deixando para trás apenas 1 / 30.000.000 da suposta dose de veneno – pouco acima dos níveis de fundo.

Como alternativa à procura do próprio polônio, os toxicologistas podem procurar por produtos de decaimento, como certos isótopos de chumbo. Mas os principais resultados da equipe suíça foram ambíguos, não oferecendo conclusões definitivas. Pior, o solo perto do túmulo de Arafat continha radônio, que se decompõe em chumbo e polônio, tornando qualquer interpretação dos resultados complicada.

Certos fatos médicos também enfraquecem a teoria do polônio. Ao contrário de Litvinenko, Arafat nunca perdeu o cabelo – um sinal clássico de envenenamento por radiação. Arafat também apresentava contagens elevadas de leucócitos, sinal de infecção, mas não de exposição à radioatividade. No geral, então, o caso do envenenamento de Arafat é duvidoso, com dois laboratórios votando não, e um laboratório votando talvez. E, infelizmente, a chance de resolver a controvérsia só vai piorar, já que qualquer polônio nos restos mortais, se é que houve algum, continua a esvair.

Este é um problema exclusivo dos novos venenos nucleares. Mesmo atrasos prolongados geralmente não prejudicam o teste de venenos elementares convencionais. Em 1991, por exemplo, o presidente dos EUA, Zachary Taylor, foi exumado 140 anos após sua morte para testar o arsênio – nenhum foi encontrado – e os cientistas daqui a 140 anos poderiam fazer o mesmo. Mas mesmo 2004 é um longo tempo para o polônio. Estamos acostumados à ciência avançando ao longo do tempo, dando-nos resultados cada vez mais precisos para determinar a verdade. Mas a natureza dos venenos radioativos garante que alguns casos arquivados provavelmente permanecerão arquivados.

Texto escrito por Sam Kean – autor best-seller de O Duelo dos Neurocirurgiões e A Colher Que Desaparece.

Tradução autorizada do original ‘Nuclear Option’ publicado na revista Distillations Magazine.

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